Uma nova guerra de desinformação ameaça a campanha presidencial dos Estados Unidos

A deputada democrata Maxine Waters fala com Mark Zuckerberg após o depoimento dele em 23 de outubro.STEFANI REYNOLDS (GTRES)

Facebook admite que não pretende controlar a veracidade dos anúncios políticos e gera temor de que se repitam as táticas de 2016.

De todas as críticas que o Facebook recebeu nas últimas semanas, a mais eloquente de todas talvez seja a feita por seus próprios funcionários. “A desinformação afeta a todos nós”, diziam cerca de 250 funcionários numa carta à direção da empresa revelada em 28 de outubro no The New York Times. “Permitir a desinformação paga na plataforma passa a mensagem de que não vemos problema em nos beneficiar de campanhas de desinformação deliberada por parte daqueles que procuram posições de poder”, afirma o texto.

Os Estados Unidos estão a apenas 100 dias dos caucus (assembleia eleitoral) de Iowa, o início de um processo de eleição presidencial que pode marcar o país e o mundo por décadas. Nesse contexto, os olhares se voltam para o Facebook, para saber o que se pode esperar de uma ferramenta de publicidade sem precedentes na história, capaz de chegar com precisão a praticamente qualquer eleitor. Na memória de todos está o precedente de 2016, quando a campanha de Donald Trump e o aparato extraoficial de inteligência da Rússia utilizaram o enorme poder do Facebook para disseminar desinformação e desmobilizar o eleitor democrata em condados decisivos. A rede social foi partícipe necessária naquela operação. Diante de um nervosismo cada vez maior sobre o que pode acontecer em 2020, por enquanto a plataforma não deixa claro se pretende fazer algo diferente.

A carta chegou no final de um mês de outubro especialmente difícil para o Facebook. No começo do mês, a Justiça europeia emitiu uma sentença, de consequências ainda desconhecidas, segundo a qual qualquer país da UE pode obrigar o Facebook a retirar em todo o mundo mensagens que sejam declaradas ilegais. Trata-se de um golpe sem precedentes à condição de empresa global do Facebook e à impossibilidade de controlar o conteúdo fora das próprias fronteiras até agora. Não está claro, entretanto, como será possível obrigar a empresa a cumprir eventuais ordens.

Além disso, os primeiros sinais sobre o que se pode esperar do Facebook estão ficando evidentes, e os candidatos estão fazendo sua prospecção. Primeiro, a campanha de Donald Trump publicou um anúncio na rede com dados grosseiramente falsos sobre Joe Biden. Alertado sobre o fato, o Facebook disse que não irá retirar o anúncio porque não descumpria sua normativa. A campanha da senadora Elizabeth Warren decidiu então publicar um anúncio com informação falsa para demonstrar a falta de implicação do Facebook. A plataforma o aceitou sem problemas.

A deputada Alexandria Ocasio-Cortez durante o depoimento de Mark Zuckerberg.

Mark Zuckerberg, fundador e executivo-chefe do Facebook, tinha depoimento marcado no Congresso em 23 de outubro. A deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez decidiu utilizar sua vez de perguntar para apertar Zuckerberg a respeito do tema. “As normas do Facebook permitem aos políticos pagarem para disseminar desinformação”, disse a congressista, buscando fazer o próprio Zuckerberg apontar até onde isso poderia levar. Ocasio-Cortez lhe perguntou insistentemente se retiraria anúncios políticos com informação falsa. “Se qualquer um, inclusive um político, estiver dizendo coisas que convidam à violência ou que podem provocar dano físico iminente ou suprimir o voto, retiramos esse conteúdo”, disse Zuckerberg. Mentir, por si só, não entra nessa categoria.

“Ou seja, que há um limite”, disse Ocasio-Cortez. Essa foi possivelmente a frase-chave do intercâmbio. Há um limite, e o Facebook não parece ter problemas para detectar o conteúdo que ultrapassa esse limite e eliminá-lo, como faz com a pornografia. A decisão de não fazê-lo com conteúdo falso pago por políticos é consciente e deliberada, segundo expunha a congressista. “Bom, acho que mentir é ruim”, foi tudo o que Zuckerberg conseguiu responder. O brevíssimo interrogatório de Ocasio-Cortez (cinco minutos) não trouxe nenhuma novidade sobre a política do Facebook, mas foi crucial para tornar patente, visível e resumido num par de frases virais a preocupação de muitos com relação à campanha eleitoral.

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